Um livro mais
formal que os anteriores, Herege, não
é menos extraordinário. Embora a autora reconheça que não possui o conhecimento
teológico formal e, por isso mesmo, convide os clérigos muçulmanos a
participarem do debate, Ayaan segue um roteiro em que descortina a sua tese
central: o islã não é uma religião de paz e necessita urgentemente de uma
reforma. Em sua opinião, os elementos teológicos que justificam a violência devem
ser extirpados. Para tanto apresenta os cinco princípios que devem ser
reformados:
- A posição de Maomé como semidivino e infalível, juntamente com a interpretação literal do Alcorão, em especial as partes que foram reveladas em Medina;
- O investimento em uma vida após a morte em detrimento da vida antes da morte;
- A sharia, o conjunto de leis derivadas do Alcorão, o hadith e o resto da jurisprudência islâmica;
- A prática de dar a indivíduos o poder de aplicar a lei islâmica ordenando o certo e proibindo o errado;
- O imperativo de fazer jihad, ou guerra santa.
Em
sua argumentação Ayaan identifica três tendências entre os muçulmanos e que nos
ajuda a compreender melhor o islamismo hoje:
-
Muçulmanos de Medina: é o grupo formado pelos radicais, alguns deles
tornando-se terroristas. Consideram o dever religioso impor a sharia pela
força. Esse grupo enfatiza os ensinamentos contidos no Alcorão que foram
elaborados por Maomé no período em que ele estava na cidade de Medina marcado
por lutas sangrentas entre os muçulmanos e os grupos de outras crenças.
-
Muçulmanos de Meca: representa a maior parte dos muçulmanos. Estão voltados
para a observância religiosa e não se sentem inclinados a praticar violência.
Esse grupo de devotos, em princípio, estaria aberto ao debate sobre as
reformas. No entanto, há um problema para as comunidades desse grupo que vivem
no Ocidente. Os seus membros vivem numa tensão permanente entre manter suas
crenças e viverem sob a modernidade tecnológica e os valores liberais do
Ocidente.
“Para
muitos desses muçulmanos, após anos de dissonância [cognitiva] parece haver
apenas duas alternativas: deixar o islã de uma vez, como eu fiz, ou abandonar a
insípida rotina de observância diária em favor do credo islâmico inflexível
oferecido por aqueles que rejeitam explicitamente a modernidade ocidental – os
muçulmanos de Medina.”
- Muçulmanos
modificados ou reformistas: é um grupo minoritário formado por dissidentes que
continuam ligados ao islamismo, mesmo não crentes como Ayaan, incluindo alguns
clérigos que aceitam debater as mudanças no islã. A crítica de Ayaan é que,
devido ao viés multiculturalista, esse grupo não tem recebido o apoio
necessário no Ocidente. Ela estabelece um paralelo poderoso: por que o Ocidente
não apoia esses dissidentes na mesma medida em que apoiou os dissidentes do
comunismo durante a guerra fria? Ou por que o Ocidente não pressiona os estados
islâmicos radicais da mesma forma que pressionou pelo fim do apartheid na África do Sul?