Definitivamente, este é
um livro que devo reler. Entre leituras interrompidas e outras feitas durante pequenas
viagens, Coração devotado à morte
merece muito mais atenção e anotações.
E não me refiro
apenas ao capítulo 4 dedicado à música
de Tristão e Isolda que requer conhecimento de musicologia. Todos os demais capítulos são de uma riqueza
e detalhes filosóficos que exigem, ou melhor, merecem uma leitura acurada. A
advertência de Scruton de que o livro não deve ser lido apenas com um guia do
drama musical de Wagner, mas também como um estudo de caso da filosofia
kantiana do homem, dá-nos uma ideia da proposta do autor e do que nos espera.
Aqui eu destaco o
seguinte:
- Um esclarecimento sobre o título do livro
No motivo 13 Isolda
canta: “Cabeça devotada à morte! Coração devotado à morte!”
“A cabeça é a de
Tristão – símbolo da busca racional de objetivos mundanos; o coração é de
Isolda – símbolo de uma paixão que nenhuma razão e nenhum objetivo mundano
podem dissipar.” (p. 55)
- Filosofia do olhar
“De sua cama olhou para
cima – nem para a espada, nem para a mão – olhou nos meus olhos.”
Scruton nos lembra que
neste trecho existe uma fenomenologia do olhar. Olhamos para objetos inanimados e para
partes do corpo humano, porém olhamos nos
olhos de uma pessoa. E esse olhar nos olhos de alguém está repleto de
significados, de desejo; são olhares comprometedores, invocando ora o ódio, ora
o amor.
Scruton menciona os
estudos de Merleau-Ponty, Sartre e Hegel a esse respeito concluindo que para
esses três filósofos “ o olhar está relacionado à condição existencial da
autoconsciência – a condição que nos distingue dos outros animais. Os animais
podem olhar para os seus olhos; eles
não podem olhar nos seus olhos,
apesar das ilusões dos amantes dos bichos de estimação.” (p. 59)
-
A morte e nossa crença no sobrenatural
Ao
discutir a noção de sagrado Scruton indica sua relação com a morte. A morte nos
apresenta o corpo humano desprovido de alma, um objeto sem sujeito, frouxo, sem
governo e inerte. Em última instância diz respeito à carne humana sem o eu. “O
corpo não é menos um objeto do que um vazio no mundo dos objetos.”
A relação com o sagrado
advém da reverência que é prestada ao morto em todas as sociedades. Porém, por
que devemos reverência aos mortos? Scruton sugere que estando diante de um
morto reagimos de modo não só a temer (a morte), reverenciar (o morto), mas
também a alimentar nossa crença no sobrenatural: “De algum modo, esse corpo
ainda pertence à pessoa que desapareceu: imagino-a exercendo seu direito sobre
ele desde regiões espectrais, onde não se pode tocá-la. Ao defrontarmo-nos com
a morte, portanto, nossa imaginação dirige-se espontaneamente para o
sobrenatural.” (p. 236)
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Eu acho muito legal quando um especialista (neste caso um filósofo) interpreta ou explica uma obra. A sensação é que, para além da compreensão racional, conseguimos interagir de modo mais completo com ela.O livro de Roger Scruton vai nesta direção, porém, para quem não conhece Tristão e Isolda eis algumas dicas:
- Filme de Kevin Reynolds. Com todas as "licenças poéticas" que um filme normalmente implica - https://youtu.be/X6YmozE_Y1U
- Tristão e Isolda em PDF (apenas 38 páginas!) - http://www.agrandeopera.com.br/wp-content/uploads/2013/10/tristaoisolda.pdf
- A música regida por Herbert von Karajan - https://youtu.be/L44Ml8K_mDg
- A ópera com Montserrat Caballé e Richard Versalle (legenda em espanhol) - https://youtu.be/5owplUAW9E8
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