Definir o estilo “gótico” não é tarefa fácil. Isto porque,
segundo Pietro Maria Bardi, o estilo possui uma “aderência elástica com a
realidade”. A pintura gótica tem suas raízes no estilo românico e em certo
momento ambos os estilos interagem formando o “românico-gótico” que, por sua
vez, levará ao renascimento.
O gótico se propõe a romper com o “maneirismo”, ou
seja, com as fórmulas do artista medieval de estilo bizantino. A partir de uma
fórmula e esquemas pré-definidos o artista bizantino recebe encomendas e as
produz sem atingir a vida diretamente e nem nela se inspirar. Tais regras de
como produzir a arte são encontradas em manuais e definidas pelas autoridades
eclesiásticas.
Caberá a Giotto ser o precursor dessa ruptura.
“Juntando experiências precedentes, ele corta as ligações, as pontes com a
tradição bizantina. Cria uma potente expressão popular que é românica, e, ao
mesmo tempo, propõe invenções na estilização que constituirão o anel de
conjuntura com a plena forma gótica, que já tinha livre aceitação em França e
Inglaterra.”
Pintores góticos estudados:
GIOTTO di Bondone (1266 - 1337)
Tommaso Vassai MASACCIO (1401 - 1429)
Rogier VAN DER WEYDEN ou Rogier de la Pasture (1400? -
1464)
FRA ANGELICO
[Giovanni da Fiesole] (1387? - 1455)
Giotto: com poucas exceções os artistas ainda seguiam
a concepção de arte voltada “para maior glória de Deus”, porém com Giotto os
santos impressionam por terem expressões de gente, por serem humanizados.
Prédica
diante de Honório III: observa-se a preocupação do artista com
a humanidade das figuras representadas. Nota-se também a reprodução da
arquitetura gótica.
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Prédica diante de
Honório III |
Ascensão
de Jesus: mostra claramente que o artista já está praticamente
livre de influências bizantinas: seu caminho é o do realismo.
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Ascensão de Jesus |
Masaccio: adota uma concepção severa, realista,
profundamente enraizada na revelação do homem pela sua própria imagem através
da arte.
O humanismo
pictórico de Masaccio pode ser observado na cena da Distribuição das esmolas por São Pedro: “Em vez de retratar os
nobres da abastada sociedade florentina, Masaccio – ele próprio de origem
plebeia – prefere colocar o povo como participante das cenas sacras. Os traços
grosseiros da mulher a quem São Pedro dá o primeiro óbolo assemelham-se aos de
uma Madonna camponesa, com o filho ao
colo, circundada pelos enfermos e aflitos que o apóstolo socorre. Ao seu lado,
digno e solene, encontra-se o jovem São João Evangelista. No chão, o cadáver de
Ananias, que retivera parte dos fundos destinados à comunidade.”
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Distribuição das esmolas por São Pedro |
O realismo de Masaccio pode ser observado em Crucifixão, “sem dúvida umas das mais notáveis
realizações de Masaccio” (PMB) que o artista executou com apenas 25 anos de
idade: “Basta ver a disposição comovente dos braços de Madalena, ajoelhada
diante do Cristo morto e realisticamente deformado pela crucifixão.”
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Crucifixão
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São
Pedro na Cátedra: “Rompendo de maneira decisiva com a
tradição da arte medieval, Masaccio incorpora às suas pinturas as descobertas
arquitetônicas do espaço visual.”
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São Pedro na Cátedra |
Van der Weyden: Deposição
da cruz, esta obra “monumental”, foi salva por um triz de um naufrágio. “O
ritmo e a dinâmica da pintura surgem das massas diametrais e paralelas dos
corpos que tombam com extraordinária suavidade: o do Senhor morto e o da
Virgem, que desmaia. Evidenciam-se várias expressões diante do sofrimento: do
desespero de santa Madalena (à extrema direita, torcendo as mãos) à contrição
interiorizada (os santos que ajudam a deposição da cruz).“
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Deposição da cruz |
Sem ser um grande colorista, o artista imprime grande
beleza cromática a esse quadro movimentado: “A simbologia ainda medieval das
cores acentua o clima trágico: o rubro manto de São João Evangelista, que apoia
a Virgem, é um símbolo recorrente da Paixão; o azul do manto de Nossa Senhora
representa a perseverança da fé; os trajes luxuosos da figura que denota o
doador do quadro – um nobre desconhecido – significam a transitoriedade do luxo
e da pompa dos poderosos da terra, que se esvanecem diante da advertência
eloquente – a caveira e os ossos dispersos – e diante da magnitude do Redentor.”
Fra Angelico: para
alguns críticos há traços nitidamente renascentistas, sem prejuízo do conteúdo
religioso: “seria ele o primeiro artista a transmitir uma sensação de alegria
espontânea. ” Pode-se dizer que ele “intelectualizou a pintura, tornando-a
preocupada com o espaço e com as leis da perspectiva. ” É o que se observa em Anunciação ao adotar uma perspectiva
francamente renascentista: “Adão e Eva são vistos ao longe, expulsos do Éden,
numa evocação simbólica bem entrosada com a transparência luminosa dos trajes
de Nossa Senhora e do anjo. A vibração do rosa e do azul sugere a
espiritualidade da cena, que transcende o tempo e mesmo o espaço claramente
circunscrito na tela.”
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Anunciação |
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Coleção Gênios da Pintura (1995) publicada pelo antigo
Círculo do Livro com apresentação e comentários de Pietro Maria Bardi
(1900-1999) que foi jornalista, historiador, crítico, colecionador, expositor e
negociador de obras de arte. Bardi foi responsável pela criação do Museu de
Arte de São Paulo (MASP), sendo seu diretor por 45 anos consecutivos.
Sempre consultei a coleção de forma fortuita, porém
agora decidi fazer a leitura completa seguindo a ordem cronológica dos estilos
de pintura tal como organizada por Bardi: Góticos, Renascentistas, Barrocos, Neoclássicos,
Românticos e Realistas, Românticos, Impressionistas, Pós-Impressionistas e Modernos.
Quanto a esta suposta "ordem cronológica" é
sempre importante ter em mente as palavras de Bardi: “Os termos que se usam na
história da arte não devem ser tomados ad
litteram; é prudente ter com eles certa elasticidade de interpretação. Nada
é rígido na faina artística e nada pode ser colocado nas gavetinhas que o
historiador pedantemente constrói para sua comodidade de classificação. ”
(Renascentistas, p. 8)
E ainda sobre quão
contraditórias entre si podem ser as definições dos diversos estilos e
complexas as suas regras, PMB arremata: “Os pintores não criam a partir de
regras, mas no ocasionalismo, na insatisfação com a realidade, no estímulo da
imaginação, vitória da fantasia e liberdade do espírito – e nunca conforme
modelos ou preceitos anteriores. ” (Românticos e Realistas, p. 7)