terça-feira, 19 de julho de 2016

Gênios da Pintura - Góticos

Definir o estilo “gótico” não é tarefa fácil. Isto porque, segundo Pietro Maria Bardi, o estilo possui uma “aderência elástica com a realidade”. A pintura gótica tem suas raízes no estilo românico e em certo momento ambos os estilos interagem formando o “românico-gótico” que, por sua vez, levará ao renascimento.

O gótico se propõe a romper com o “maneirismo”, ou seja, com as fórmulas do artista medieval de estilo bizantino. A partir de uma fórmula e esquemas pré-definidos o artista bizantino recebe encomendas e as produz sem atingir a vida diretamente e nem nela se inspirar. Tais regras de como produzir a arte são encontradas em manuais e definidas pelas autoridades eclesiásticas.

Caberá a Giotto ser o precursor dessa ruptura. “Juntando experiências precedentes, ele corta as ligações, as pontes com a tradição bizantina. Cria uma potente expressão popular que é românica, e, ao mesmo tempo, propõe invenções na estilização que constituirão o anel de conjuntura com a plena forma gótica, que já tinha livre aceitação em França e Inglaterra.”

Pintores góticos estudados:
GIOTTO di Bondone (1266 - 1337)
Tommaso Vassai MASACCIO (1401 - 1429)
Rogier VAN DER WEYDEN ou Rogier de la Pasture (1400? - 1464)
FRA ANGELICO [Giovanni da Fiesole] (1387? - 1455)

Giotto: com poucas exceções os artistas ainda seguiam a concepção de arte voltada “para maior glória de Deus”, porém com Giotto os santos impressionam por terem expressões de gente, por serem humanizados.

Prédica diante de Honório III: observa-se a preocupação do artista com a humanidade das figuras representadas. Nota-se também a reprodução da arquitetura gótica.

Prédica diante de Honório III

Ascensão de Jesus: mostra claramente que o artista já está praticamente livre de influências bizantinas: seu caminho é o do realismo.
Ascensão de Jesus

Masaccio: adota uma concepção severa, realista, profundamente enraizada na revelação do homem pela sua própria imagem através da arte.
O humanismo pictórico de Masaccio pode ser observado na cena da Distribuição das esmolas por São Pedro: “Em vez de retratar os nobres da abastada sociedade florentina, Masaccio – ele próprio de origem plebeia – prefere colocar o povo como participante das cenas sacras. Os traços grosseiros da mulher a quem São Pedro dá o primeiro óbolo assemelham-se aos de uma Madonna camponesa, com o filho ao colo, circundada pelos enfermos e aflitos que o apóstolo socorre. Ao seu lado, digno e solene, encontra-se o jovem São João Evangelista. No chão, o cadáver de Ananias, que retivera parte dos fundos destinados à comunidade.” 
Distribuição das esmolas por São Pedro

O realismo de Masaccio pode ser observado em Crucifixão, “sem dúvida umas das mais notáveis realizações de Masaccio” (PMB) que o artista executou com apenas 25 anos de idade: “Basta ver a disposição comovente dos braços de Madalena, ajoelhada diante do Cristo morto e realisticamente deformado pela crucifixão.” 
Crucifixão

São Pedro na Cátedra: “Rompendo de maneira decisiva com a tradição da arte medieval, Masaccio incorpora às suas pinturas as descobertas arquitetônicas do espaço visual.” 
São Pedro na Cátedra

Van der Weyden: Deposição da cruz, esta obra “monumental”, foi salva por um triz de um naufrágio. “O ritmo e a dinâmica da pintura surgem das massas diametrais e paralelas dos corpos que tombam com extraordinária suavidade: o do Senhor morto e o da Virgem, que desmaia. Evidenciam-se várias expressões diante do sofrimento: do desespero de santa Madalena (à extrema direita, torcendo as mãos) à contrição interiorizada (os santos que ajudam a deposição da cruz).“ 
Deposição da cruz

Sem ser um grande colorista, o artista imprime grande beleza cromática a esse quadro movimentado: “A simbologia ainda medieval das cores acentua o clima trágico: o rubro manto de São João Evangelista, que apoia a Virgem, é um símbolo recorrente da Paixão; o azul do manto de Nossa Senhora representa a perseverança da fé; os trajes luxuosos da figura que denota o doador do quadro – um nobre desconhecido – significam a transitoriedade do luxo e da pompa dos poderosos da terra, que se esvanecem diante da advertência eloquente – a caveira e os ossos dispersos – e diante da magnitude do Redentor.”

Fra Angelico: para alguns críticos há traços nitidamente renascentistas, sem prejuízo do conteúdo religioso: “seria ele o primeiro artista a transmitir uma sensação de alegria espontânea. ” Pode-se dizer que ele “intelectualizou a pintura, tornando-a preocupada com o espaço e com as leis da perspectiva. ” É o que se observa em Anunciação ao adotar uma perspectiva francamente renascentista: “Adão e Eva são vistos ao longe, expulsos do Éden, numa evocação simbólica bem entrosada com a transparência luminosa dos trajes de Nossa Senhora e do anjo. A vibração do rosa e do azul sugere a espiritualidade da cena, que transcende o tempo e mesmo o espaço claramente circunscrito na tela.”
Anunciação


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Coleção Gênios da Pintura (1995) publicada pelo antigo Círculo do Livro com apresentação e comentários de Pietro Maria Bardi (1900-1999) que foi jornalista, historiador, crítico, colecionador, expositor e negociador de obras de arte. Bardi foi responsável pela criação do Museu de Arte de São Paulo (MASP), sendo seu diretor por 45 anos consecutivos.

Sempre consultei a coleção de forma fortuita, porém agora decidi fazer a leitura completa seguindo a ordem cronológica dos estilos de pintura tal como organizada por Bardi: Góticos, Renascentistas, Barrocos, Neoclássicos, Românticos e Realistas, Românticos, Impressionistas, Pós-Impressionistas e Modernos.

Quanto a esta suposta "ordem cronológica" é sempre importante ter em mente as palavras de Bardi: “Os termos que se usam na história da arte não devem ser tomados ad litteram; é prudente ter com eles certa elasticidade de interpretação. Nada é rígido na faina artística e nada pode ser colocado nas gavetinhas que o historiador pedantemente constrói para sua comodidade de classificação. ” (Renascentistas, p. 8)

E ainda sobre quão contraditórias entre si podem ser as definições dos diversos estilos e complexas as suas regras, PMB arremata: “Os pintores não criam a partir de regras, mas no ocasionalismo, na insatisfação com a realidade, no estímulo da imaginação, vitória da fantasia e liberdade do espírito – e nunca conforme modelos ou preceitos anteriores. ” (Românticos e Realistas, p. 7)

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