sexta-feira, 17 de novembro de 2017

A coragem de resistir

Literatura ligeira”, assim definiu um amigo português um livro semelhante a este de A. J. Cronin que eu havia lido e comentava com ele. Diálogos curtos e diretos, nada rebuscado, aprofundado e estória com um propósito edificante. 

Dôra, Doralina

E justamente no dia do 107º aniversário de Raquel de Queiroz, neste mesmo dia (17/11/2017), por coincidência, eu estava concluindo a leitura de Dôra, Doralina.

Madame Bovary

Visto como o mais importante romance da literatura francesa, Madame Bovary me deixou duas fortes impressões, uma negativa e outra positiva: a negativa é o exagero nos detalhes na descrição do ambiente, da paisagem e dos personagens. Em especial na primeira metade do romance o detalhismo de Flaubert cansa. A segunda impressão é a fantástica análise psicológica dos personagens. Nestes momentos, os detalhes sobre os personagens fluem naturalmente e a leitura se torna agradável e instigante.

Arte e sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin

Arte e sociedade é considerado o primeiro livro do mundo de crítica à Escola de Frankfurt, segundo o professor alemão Gunter Karl Pressler (UFPA): "Este estudo foi publicado antes da referência sempre citada sobre a Escola de Frankfurt: 'A imaginação dialética', de 1973, do americano Martin Jay." (Folha de São Paulo, 23/08/2015).
Merquior oferece como contraposição teórica ao pessimismo dos frankfurtianos nada menos que Heidegger cuja citação inicial  deixa claro qual o rumo do seu livro: “Nenhuma época se deixa afastar por uma simples negação: a negação elimina apenas o negador."  
A angústia heideggeriana, entendida não como paralisação diante da vida, mas como busca permanente da autencidade, será a chave contra a amargura dos “críticos da cultura”.
“Com esses três elementos: determinada visão do itinerário do Ocidente (a história da metafísica), determinado modelo da autencidade humana, determinado pathos ante o futuro, o pensamento de Heidegger parece responder ao credo pessimista de Frankfurt”. (p. 175)

Além de Heidegger, na conclusão do livro Merquior indica a perspectiva da política como “arte do possível” presente no pensamento de Eric Voegelin como superação do messianismo político.

Razão do poema: ensaios de crítica e de estética

O primeiro livro de Merquior (1965) é uma coletânea de seus ensaios sobre crítica e estética como o subtítulo indica.
 Os textos de Merquior, como é sabido, são densos e, portanto, uma tentativa de resumo ou análise mais elaborada não é meu objetivo. Aqui eu destaquei apenas uma discussão que me parece interessante: o conceito essencialista da natureza humana versus conceito histórico desenvolvido no ensaio Estética e Antropologia. Ele afirma, “o conceito marxista do homem repele a interpretação de uma natureza humana que não seja rigorosamente histórica. ” (p. 211) Diante disso, qualquer tentativa de encontrar uma “natureza” humana, algo permanente e que nos define para além das variáveis sociais, políticas, econômicas, em uma palavra, históricas, seria contrário à perspectiva marxista.
Merquior ressalta que está claro que esta percepção é a predominante nos textos de Marx, porém, em sua estética, ao analisar nos Manuscritos econômicos e filosóficos como Shakespeare e Balzac descrevem as deformações no homem causadas pelo capitalismo, Marx estabelecesse “a imagem de um homem despojado de seus valores reais e tornado em puro espectro de si, emagrecido em sua própria natureza. ” (p.209) Quer dizer,  é como se Marx realmente admitisse a existência de uma “natureza humana” que foi corrompida pelo capitalismo.

“É que o marxismo aqui comparece como um historicismo arrependido: depois de proclamar a historicidade de todas as essências; depois de praticar a análise histórica mais inteligentemente que qualquer outro historicismo, depois de denunciar como “metafísica” qualquer ontologia que pretendesse escapar aos limites da História, eis que Marx e os marxistas nos acenam, para que o reconheçamos como o fundamento da arte, com esse indefinível conceito de uma “natureza” humana”. (p. 210)

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Em defesa do preconceito: a necessidade de se ter ideias preconcebidas

Rejeitar o preconceito parece ser o correto a fazer, certo? Não necessariamente. Aqui Dalrymple se insurge contra a destruição de toda e qualquer ideia preconcebida segundo o argumento de que devemos "pensar por nós mesmos" . De acordo com o autor muitos "preconceitos positivos" devem ser mantidos não porque sejamos 'conservadores' ou avessos à mudança mas porque precisamos deles: 

" Temos que ter, ao mesmo tempo, confiança e discernimento para pensarmos logicamente a respeito de nossas crenças herdadas, e a humildade para reconhecermos que o mundo não começou conosco, e tampouco terminará, e que a sabedoria acumulada da humanidade é muito maior do que qualquer coisa que podemos alcançar de forma independente." p. 137

terça-feira, 27 de junho de 2017

A vida na sarjeta

A vida na sarjeta é um desses relatos que nos leva a fazer um paralelo com a realidade brasileira. O nível de degradação da subclasse (underclass) inglesa é facilmente identificável numa parcela enorme da população brasileira pobre e sem instrução.
E não só isso. Os fatores disfuncionais apontados como causa da pobreza lá, para além do discurso automático das causas econômicas da pobreza, também podem ser identificados em nossa realidade. Não podemos nos esquecer que a análise de Dalrymple é fruto também de sua experiência na América Latina e África. Também muitas das críticas às elites intelectuais de lá valem para as nossas elites.

Não se trata de defender uma importação mecânica de sua interpretação para o caso brasileiro, mas de propor um paralelo frutífero para nossas reflexões.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

É chique ser grosseiro (artigo na revista Amálgama)

https://www.revistaamalgama.com.br/05/2017/danilo-gentilli-maria-do-rosario-chique-ser-grosseiro/


O que diremos de formadores de opinião que tentam elevar a vulgaridade ao patamar de “disputa política”?

Num recente artigo aqui na Amálgama eu critiquei cineastas que promoveram a censura ao filme O jardim das aflições sobre o pensador Olavo de Carvalho. Concluía o texto afirmando que o nosso interminável subdesenvolvimento intelectual, moral e político não era obra de apenas “um lado” e que o comportamento daqueles cineastas era uma boa oportunidade de reflexão.
Passadas apenas algumas semanas, eis que a “direita” protagoniza um triste espetáculo. Eu me refiro ao apoio massivo dado ao vídeo do humorista Danilo Gentili em resposta à deputada petista Maria do Rosário.
O vídeo pode ser visto apenas como mais um golpe publicitário que aumenta a audiência e a conta bancária do apresentador. Quanto ao conteúdo do vídeo, pessoalmente eu prefiro um humor que escrache os políticos e preserve o decoro, a decência e o bom gosto. E não precisamos fazer muitas elucubrações quanto a isso; basta você comparar, por exemplo, o personagem de Chico Anysio, “Deputado Justo Veríssimo”, e mesmo o humor do Casseta e Planeta, para perceber quão grosseiro e mal-educado é o vídeo em questão.
Reconheço também, embora não use como justificativa, que a degradação nesse contexto é dupla. Só mesmo uma política tão achincalhada como a nossa para permitir esse tipo de lixo.
Liberais e conservadores, mas não só eles, deveriam ler o pensador conservador inglês Theodore Dalrymple. Ele é especialmente preocupado com a rápida decadência moral ocorrida na Inglaterra e no Ocidente de um modo geral. Dalrymple responsabiliza o freudianismo, o marxismo e autores como John Stuart Mill por estimularem um relativismo total, de modo que os valores caros às relações sociais estejam simplesmente desmoronando. Embora o autor dirija sua crítica à esquerda e aos progressistas, não nos enganemos: ela cai como uma luva no comportamento de Gentili e da manada que decidiu apoiá-lo nas redes sociais.
Eu me refiro especificamente ao capítulo “É chique ser grosseiro” do livro A vida na sarjeta: o círculo vicioso da miséria moral. Dalrymple examina como o comportamento marcado pela vulgaridade e violência praticado cada vez mais por ingleses das classes mais pobres (subclasse/underclass), mas não só elas e, em especial, por celebridades, ganha ares de normalidade nas relações sociais. Um exemplo: Dalrymple foi a Roma para uma reportagem sobre vandalismo de torcidas de futebol. O jogo era Itália X Inglaterra. Segundo ele, os 10 mil britânicos que foram ao jogo têm empregos que pagam muito bem, que exigem instrução e treinamento. No estádio ele presenciou os “típicos modos desagradáveis” das torcidas, que cantavam insultos por quase três horas contra a torcida italiana. Aos poucos com que ele pode conversar, perguntou se “Não achavam impróprio viajar 1.600 km somente para gritar obscenidades para estranhos?” Eles respondiam que achavam divertido e era também uma “libertação necessária”.
Libertação exatamente de quê? Da frustração, responderam, caso respondessem alguma coisa. A nenhum deles ocorreu que os dramas mesquinhos de suas vidas particulares não justificam uma atividade antissocial. Pensavam que a frustração era como o pus em um abscesso, melhor fora do que dentro, e recordei-me de um assassino que certa vez me disse que teve de matar a vítima, caso contrário não sabia o que poderia ter feito.
Não acredito que Gentili viva alguma frustração pessoal. Seu drama mesquinho é ganhar audiência e com ela, dinheiro. Se em nossa sociedade há quem goste do que ele faz, tanto melhor para ele. Mas o que me chama a atenção é o apoio político que ele recebeu.
Voltando à repercussão nas redes sociais, observei algumas páginas e blogs de movimentos e formadores de opinião de direita que ocasionalmente acompanho e destaquei alguns deles: “Para a esquerda: colocar dinheiro na cueca: tudo certo. Colocar papel picado na cueca: nossa, que absurdo, machista” (8 mil curtidas, 3 mil compartilhamentos). “Bundaço Fora Temer: manifestação cultural da esquerda lacradora. Passar tentativa de censura no saco: ato fascista repugnante da direita raivosa”. (8 mil curtidas, 3600 compartilhamentos). Tela do Twitter de Maria do Rosário ameaçando processar o apresentador e logo abaixo um comentário: “E o dinheiro que recebeu da empreiteira? Vai ser usado pra pagar os advogados?” (29 mil curtidas, 4200 compartilhamentos). Mais uma tela com a denúncia da deputada e vários comentários no mesmo tom (24 mil curtidas, 3500 compartilhamentos). Montagem: foto conhecida de Lula com a mão dentro da calça e a deputada sorrindo; foto de Gentili com a mão dentro da calça e a deputada chorando (16 mil curtidas, 2750 compartilhamentos). O site Catraca Livre classificou o ocorrido de baixaria e seus opositores lembram que o site tentou usar a tragédia da Chapecoense para ganhar views (15 mil curtidas, 1600 compartilhamentos). Formadores de opinião em economia, política e filosofia cujas análises normalmente aprecio, todos seguindo a manada. Finalmente, um determinado blog reconhece que o apresentador passou dos limites, “Mas em um momento em que é preciso quebrar a espiral do silêncio, atitudes desse tipo são mais que urgentes” (20 mil curtidas, 2200 compartilhamentos).
Observem que há um padrão: eu justifico o comportamento do humorista pelos erros do outro lado. Eu não o justifico por possíveis méritos inerentes ao comportamento em si, se houver. Eu sou vulgar porque você é também vulgar. É possível encontrar postura mais infantil e superficial? O que impedirá, no limite, de dizerem “o meu candidato rouba porque o seu também o faz”?
Mais uma vez Dalrymple pode ser útil. Em seu livro Em defesa do preconceito: a necessidade de se ter ideias preconcebidas, ele mencionará uma garota problemática que afirma xingar alguns professores porque não gosta deles. Ele dirá:
A ideia de que não gostar de alguém não constitui base suficiente para xingar esse alguém, o fato de relações sociais toleráveis requererem autocontrole, de viver em sociedade implicar o dever de se submeter a limites não foram noções inculcadas nessa garota como um preconceito, e agora parecia muito improvável que ela aprendesse essas coisas, e muito menos provável ainda que fosse conformar o seu comportamento a tais padrões.
Reparem que ele se refere a meninas (a garota no caso tem apenas 14 anos de idade) com pouca instrução, num contexto de família inglesa desestruturada e baixa classe social, que mal conseguem usar a língua nativa corretamente e lutam para se fazer compreender “como se fossem vítimas de um derrame”. O que diremos então de marmanjos bem alimentados que frequentaram boas escolas e tentam se passar por jovens problemáticos? O que diremos de formadores de opinião que tentam elevar a vulgaridade ao patamar de “disputa política”? Talvez eles deem de ombros e digam, cinicamente, “a esquerda me faz agir assim”.
Gentili conclui seu vídeo tentando ensinar algo edificante: “Eu pago seu salário, então eu decido se você cala ou não a boca, nunca ao contrário”. E sugere que seus apoiadores digam o mesmo a todos os políticos que tentarem censurá-los. Quem foi que disse que Gentili paga sozinho o salário da deputada? Quem concorda com ela não paga também? E mesmo que esse raciocínio fosse correto, com que direito ele manda alguém calar a boca? E mais, o direito que ele tem de falar (que nega ao outro) garante que ele falte ao respeito com quem quer que seja?
Que imbecilidades e grosserias sejam ditas por indivíduos isolados por motivos os mais diversos é algo que acontece e, se for o caso, que sejam punidos por isso. Mas quando assistimos a movimentos políticos e formadores de opinião que dizem lutar por uma nova forma de fazer política e novos ideais embarcarem nessa estupidez, é digno de pena.


quarta-feira, 31 de maio de 2017

Memorial de Aires

Como havia dito em minha nota sobre Esaú e Jacó, o Memorial é bem mais atraente que aquele. Mais curto e leve - a narrativa do excelente personagem-observador, Conselheiro Aires, com a sabedoria de calar e apenas assentir com a cabeça “quando o assunto cansa ou aborrece” (p.75) - o romance prende a nossa atenção. 

Relíquias de casa velha

Uma casa tem muita vez as suas relíquias, lembranças de um dia ou outro, da tristeza que passou, da felicidade que se perdeu. Supõe que o dono pense em as arejar e expor para teu e meu desenfado. Nem todas serão interessantes, não raras serão aborrecidas, mas, se o dono tiver cuidado, pode extrair uma dúzia delas que mereçam sair cá fora.” – Advertência.

Esaú e Jacó

O romance Esaú e Jacó me pareceu um “ponto fora da curva” dentre os romances de Machado de Assis. Diferentemente dos demais - mesmo da fase inicial, romântica – os personagens me pareceram imaturos e a narrativa longa e pesada. Era necessário mesmo a introdução do Conselheiro Aires na estória ?
Interessante que este é o antepenúltimo romance, quer dizer, é já a fase madura do autor.

Com receio de estar falando uma grande bobagem dei uma olhada no consagrado Machado de Assis – estudo crítico e biográfico de Lúcia Miguel Pereira.   Na página 177 ela dirá: “Sem as indagações filosóficas do Braz Cubas e do Quincas Borba, sem o tédio do Esaú e Jacó e do Memorial de Aires, o Dom Casmurro é o mais humano dos livros de Machado.” Sim é entediante, mas o Memorial de Aires me pareceu bem mais atraente!

E mais adiante, “Livro repisado, livro de velho, o Esaú e Jacó. (...) No Esaú E Jacó, não passam aquelas correntes de angústia, não ecoam aquelas interrogações que representam a maior grandeza de Machado.

Tudo está apaziguado, domesticado.” (p. 182)

Várias histórias

Advertência do autor para a presente coleção, "...há sempre uma qualidade nos contos, que os torna superiores aos grandes romances, se uns e outros são medíocres: é serem curtos."
Quem se der ao trabalho de ler esta “Várias histórias” verá que a advertência é só modéstia do autor.

A cartomante:
- “a virtude é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; só o interesse é ativo e pródigo.” P. 6

Uns braços:
- “...há ideias que são da família das moscas teimosas: por mais que a gente as sacuda, elas tornam e pousam.” P. 30
- “Percebeu que sim, que era amada e temida, amor adolescente e virgem, retido pelos liames sociais e por um sentimento de inferioridade que o impedia de reconhecer-se a si mesmo.” P. 31

Um homem célebre:
- “Foi a única pilhéria que disse em toda a vida, e era tempo, porque expirou na madrugada seguinte, às quatro horas e cinco minutos, bem com os homens e mal consigo mesmo.” P. 49

A causa secreta:
- “Não tinha ciúmes, note-se; a natureza compô-lo de maneira que lhe não deu ciúmes nem inveja, mas dera-lhe vaidade, que não é menos cativa ao ressentimento. Olhou assombrado, mordendo os beiços.” P. 75

Trio em lá menor:
- “...os dous olhavam um para o outro, discretamente, e afinal esquecidamente.” P. 82

O enfermeiro:
- “Adeus, meu caro senhor, leia isto e queira-me bem; perdoe-me o que lhe parecer mau, e não maltrate muito a arruda, se lhe não cheira a rosas. Pediu-me um documento humano, ei-lo aqui.” P. 99
- “Os velhos lembravam-se das crueldades dele, em menino. E o prazer íntimo, calado, insidioso, crescia dentro de mim, espécie de tênia moral, que por mais que a arrancasse aos pedaços, recompunha-se logo e ia ficando.” P. 107

- Esperança, “demônio de olhos verdes”, p. 119

Mariana:
- “ A paixão dos noivos prolongou-se na vida conjugal. Quando o tempo trouxe o sossego, trouxe também a estima. Os corações eram harmônicos, as recordações da luta pungentes e doces. A felicidade serena veio sentar-se à porta deles, como uma sentinela. Mas bem depressa se foi a sentinela; não deixou a desgraça, nem ainda o tédio, mas a apatia, uma figura pálida, sem movimento, que mal sorria e não lembrava nada.” P. 130

Viver!:
- “ Deus me perdoará, se quiser, mas a morte consola-me.” P. 167
- “... é que eu represento a força dos desesperos milenários. Toda a humanidade está em mim.” P. 171 

A semana II

Repito um pouco do que disse sobre “A semana I”, mas destaco essas passagens:

Parafraseando para a passagem do ano:
- “ Não me iludis, - dirá 2018, - sei que me não amais desinteressadamente; egoístas eternos, quereis que eu vos dê saúde e dinheiro, festas, amores, votos e o mais que não cabe neste pequeno discurso. Direis mal de 2017, vós que o adulastes do mesmo modo quando ele apareceu; direis o mesmo mal de mim, quando vier o meu sucessor.” P. 3

Questão de método:
- “Eu, posto creia no bem, não sou dos que negam o mal, nem me deixo levar por aparências que podem ser falazes. As aparências enganam; foi a primeira banalidade que aprendi na vida, e nunca me dei mal com ela. Daquela disposição nasceu em mim esse tal ou qual espírito de contradição que alguns me acham, certa repugnância em execrar sem exame vícios que todos execram, como em adorar sem análise virtudes que todos adoram. Interrogo a uns e a outros, dispo-os, palpo-os, e se me engano, não é por falta de diligência em buscar a verdade. O erro é deste mundo.” P. 34

-“ Considerai como crescem os lírios do campo; eles não trabalham nem fiam...Não andeis inquietos pelo dia de amanhã. Porque o dia de amanhã a si mesmo trará o seu cuidado; ao de hoje basta a sua própria aflição.” (S. Mateus) p. 55

-“Carlos Gomes continua a morrer. Até quando irá morrendo?” p. 59

- “Aí estou eu a repetir cousas que sabeis – uns por as haverdes lido, outros por vos lembrardes delas; mas é que há certas memórias que são como pedaços de gente, em que não podemos tocar sem algum gozo e dor, mistura de que se fazem saudades.” P. 65

- Redução de impostos. “Estas duas palavras raramente andam juntas; saudemos tão doce consórcio. Só um amor verdadeiro as poderia unir. Que tenham muitos filhos é o meu mais ardente desejo.” P. 67

- “Não se devem fazer visitas a desafetos; o menos que acontece é não acha-los em casa.” P. 73

- “A verdade, porém, é o que deveis saber, uma impressão interior. O povo, que diz as cousas por modo simples e expressivo, inventou aquele adágio: Quem o feio ama, bonito lhe parece. Logo, qual é a verdade estética? É a que ele vê, não a que lhe demonstrais.” P. 82

- Por que os transeuntes correm atrás de um ladrão na rua? P. 92 (boa reflexão)

- “Talvez por isso, mal os jornais dão notícia de um delito desses, o esquecimento absorve o criminoso. Não imprimam absolve; quem absolve é o júri, no caso de haver processo; eu digo que o esquecimento absorve o criminoso, no sentido de se não falar mais nisso.” P. 97

- “Os que parecem outros um dia é que estavam escondidos em si mesmos.” P. 117

A semana I

Uma vez encontrei com um leitor voraz de Machado de Assis quando eu lia suas obras para o Teatro. E ele quando me viu com o livro na mão achou estranho pois, “seu teatro além de pouco conhecido não é de boa qualidade, como ele mesmo reconhece.”

Então expliquei que meu objetivo ler toda a obra de Machado de Assis mesmo que tivesse que passar por algumas nem tão atraentes.


Pois bem, esse volume de crônicas intitulado “A semana I” (250 páginas!) é um desses que li “me arrastando”... (“A semana II” foi um pouco diferente). Eu me refiro ao conteúdo da maior parte ao relatar fatos e notícias muito específicos daquela época (entre 1892 e 1895) e que não me despertaram o interesse. Fui uma leitura interrompida várias vezes e com poucas anotações. 

Quincas Borba

Depois de ler Quincas Borba meu próximo cachorro se chamará... “Quincas Borba”, ou simplesmente, “QB” J Boa leitura!

Páginas recolhidas

Este volume, tal como diz o próprio Machado, reúne “contos e novelas, figuras que vi ou imaginei, ou simples ideias que me deu na cabeça reduzir a linguagem.” (...) Tudo é pretexto para recolher folhas amigas.”

Dom Casmurro

Segundo o escritor Raimundo Carrero, Dom Casmurro é um livro sobre ciúmes e não sobre traição.  Fiquei com isso na cabeça e quando decidi reler o clássico fiz uma lista dos ciúmes de Bentinho na medida em que apareciam no romance:
1-     “algum peralta da vizinhança” p. 103 (LXII)
2-     “dandy” p. 120; (LXXIII); p. 123 (LXXVI)
3-     Prima Justina p. 130 (LXXXI)
* Mas ele se vê alvo das belas mulheres. O que diria Capitu? Ela também não teria direito a ter ciúmes? P. 153 (XCVII)
4-     “os braços” p. 163 (CV)
5-     O olhar de Capitu, p. 191 (CXXVI)
6-     Como uma “carta”, p.197 (CXXXII)
7-     “andando e completando a semelhança”, p.199 (CXXXII)
8-     “a própria natureza jurava por si e eu não queria duvidar dela.”, p. 205 (CXXXVIII)
9-     “confusão dela fez-se confissão pura”, p. 207 (CXXXIX)
“velho ciúme”, p. 208 (CXL)

Escritos avulsos III

Iniciando com o conto ‘Casa Velha’, este volume de Escritos Avulsos, publicados entre 1885 e 1906, é o terceiro e último organizado pela editora. Além de Casa Velha gostei também de “Habilidoso” que retrata como a indução dos comentários de parentes e leigos influenciam a pessoa fazendo-a acreditar que de fato possui tal ou qual característica. O personagem tanto acreditou nas supostas qualidades que lhe atribuíam que acabou acumulando expectativas e frustrações ao longo da vida:

“Que este é o  último e derradeiro horizonte das suas ambições: um beco e quatro meninos.” p. 95

terça-feira, 30 de maio de 2017

As aflições da diversidade (artigo na revista Amálgama)

https://www.revistaamalgama.com.br/05/2017/olavo-de-carvalho-cine-pe-aflicoes-da-diversidade/



Para os intolerantes de sempre, a diversidade é bacana, mas apenas enquanto não incomoda.


É impossível deixar de notar o paralelo entre o comportamento dos cineastas que se retiraram do festival de cinema Cine PE (que acabou de ser cancelado), em protesto contra a participação do documentário O jardim das aflições sobre Olavo de Carvalho, e o comportamento de professores e estudantes da maior parte das universidades, em particular das áreas de humanas e artes.

Fica mais claro a cada dia que a ideia de uma universidade aberta ao contraditório e ao diferente é um mito. Como sabemos, o pensamento majoritário no ambiente acadêmico e entre os artistas é de “esquerda”, no sentido mais amplo possível. O mito da convivência boa e necessária dos opostos não difere quase nada tanto lá como cá, haja vista a Carta Aberta dos cineastas e suas motivações.
Quem frequenta ou lê notícias sobre festivais de cinema sabe que uma marca, talvez fundamental, desses eventos é a tão aclamada diversidade. É uma técnica inovadora, é um roteiro genial, é aquele curta boliviano ou o longo iraniano, entre tantos outros atrativos que só um ambiente aberto, plural, criativo pode propiciar. A diversidade é bacana, mas…
Conhecer o novo e o diferente é bom e necessário, mas se vai de encontro aos meus valores é melhor você ler e ficar só para você; é melhor você assistir na sua casa com seus amigos da casa grande, porque aqui no espaço público você não tem direito a ler, defender ou assistir, porque, do mesmo jeito que eu interdito as universidades para o bem maior de todos, eu também protesto e pressiono contra a exibição de qualquer filme que não passa pelos meus critérios de bem.
Não basta a forma autoritária de tratar o conhecimento, nem propor a censura diante de um “documentário conservador”. Essas pessoas vão além e destroem um dos conceitos mais caros apropriados pelo discurso da esquerda identitária e particularista: o conceito de alteridade. Impedir um conhecimento o mais integral possível, tentar censurar um filme ou documentário, opor-se a que o outro exponha suas preferências políticas é, em última análise, a negação inequívoca do outro. Mais uma vez, o apelo à alteridade é tão somente mais um mito.
Para concluir, é sempre bom explicitar o óbvio. Esse comportamento obtuso, excludente e autoritário, esse modo medíocre de ser e ver a vida não é monopólio da esquerda. Qualquer um que constatar o nosso interminável subdesenvolvimento intelectual, moral e político não pode em sã consciência atribuí-lo apenas a “um lado”. É necessário um estado de alerta permanente e estar aberto genuinamente ao livre debate de ideias, sem o que continuaremos numa guerra de torcidas, prontos a apontar o próximo erro do adversário. O aprendizado é longo, difícil, e a esquerda acaba de nos dar de bandeja uma boa oportunidade de reflexão.


Dilemas morais (artigo na revista Amálgama)

https://www.revistaamalgama.com.br/11/2016/dilemas-morais/


Qual o sentido de nos debruçarmos seriamente sobre eventos que nunca vivenciaremos e tomá-los como referência ética?


Volta e meia  surge o debate sobre algum dilema moral. O debate da vez foi proposto por um programa de TV a pretexto do lançamento do filme nacional Sob pressão: a pessoa deveria escolher entre ajudar a um “policial levemente ferido” ou a um “traficante em estado grave”.
O dilema está no fato de que o indivíduo encontra-se diante de escolhas alternativas e excludentes. O debate em torno dessas situações, reais ou fictícias, traz a seguinte pergunta: o que você faria numa situação como esta? Se as pessoas apenas escolhessem A ou B e não pensassem mais no assunto não teríamos a repercussão geralmente barulhenta de costume. Não raro, no entanto, o indivíduo que responde a esta pergunta, para um lado ou para o outro, faz um conjunto de extrapolações na tentativa de construir sobre si mesmo uma referência ética (ou em casos mais radicais, as extrapolações buscam também uma referência político-ideológica). Se eu escolho uma das opções eu me vejo como portador de certas virtudes e comportamentos, supostamente correspondentes a A ou B, alternativamente, e tenho a expectativa de que os outros também me vejam assim.
Minhas objeções a esse tipo de debate giram em torno de dois argumentos. O dilema tal como geralmente nos é apresentado não existe na realidade. É claro que alguns efetivamente ocorreram, mas então vem o segundo argumento que diz respeito ao seu caráter excepcional e extraordinário tornando-o de pouca utilidade para a construção daquela referência a qual me referi. Se nós pensarmos na probabilidade de tais eventos ocorrerem na vida real da maior parte das pessoas veremos que é extremamente baixa. A julgar pelas reações de algumas pessoas, hoje em dia mais visíveis com a ajuda das redes sociais, esse tipo de debate é visto como um divisor de águas ético que define as “pessoas de bem”- que se parecem comigo, claro – e os meus “inimigos políticos”. Qual o sentido de nos debruçarmos seriamente sobre eventos que nunca vivenciaremos e tomá-los como referência ética?
Em 2013, quando foi lançado no Brasil o filme A hora mais escura, eu acompanhei um debate entre o filósofo Vladimir Safatle e o psicanalista Contardo Caligaris sobre o dilema moral proposto pelo filme. A produção norte-americana narra como foram as investigações para localizar o terrorista Osama Bin Laden. No filme os agentes da CIA recorrem repetidas vezes à tortura para obterem informações sobre o paradeiro do terrorista. O artigo de Safatle, mesmo sem o mencionar explicitamente, é uma resposta ao artigo de Caligaris que propõe a seguinte questão: “Uma criança foi sequestrada e está encarcerada em um lugar onde ela tem ar para respirar por um tempo limitado. Você prendeu o sequestrador, o qual não diz onde está a criança sequestrada. Infelizmente, não existe (ainda) soro da verdade que funcione. A tortura poderia levá-lo a falar. Você faz o quê?”
O artigo do filósofo parte da seguinte pergunta: “podemos torturar alguém cuja confissão nos permitirá desativar uma bomba que matará dezenas de inocentes?” Ao discutir o dilema Safatle prefere seguir o caminho de que há uma intenção (uma má intenção) escondida na astúcia de quem pergunta cuja agenda ideológica seria afastar as pessoas de questões que realmente importam. Não é o caso de expor aqui minhas discordâncias quanto a isso, mas, pelo contrário, sublinhar minha concordância, em especial quando ele afirma:  “Do ponto de vista da filosofia moral, não há exercício mais pueril do que procurar responder a tais inventivas”, pois esses “paradoxos morais de laboratório” pressupõem condições de laboratório, como “sei que o sujeito torturado sabe algo sobre a bomba”, “sei que não há hipótese alguma de ter pego a pessoa errada”, “sei que ele falará antes de morrer”, “sei que a razão de sua ação é injustificável”. Safatle conclui suas indagações afirmando que como ninguém mora em um laboratório, mas depende, no mais das vezes, da sabedoria da polícia, tais condições nunca são completamente asseguradas.
Estas me parecem indagações válidas e que põem em xeque os pressupostos de um dilema moral válido para a vida real. Como aceitar as repercussões de um dilema moral na nossa vida se nossas reflexões o afastam tão radicalmente da realidade?
Vejam, por exemplo, mais essa situação proposta por Dwight Furrow:
Suponha que você esteja atrasado para uma entrevista para um emprego que lhe promete garantir um avanço significativo em sua carreira e um substancial aumento de salário. Você está em Boston, no mês de janeiro. Faz frio e a neve está começando a cair. Para ganhar tempo, você faz um atalho através de uma viela e para, petrificado, ao ouvir um choro de bebê vindo detrás de uma fila de latas de lixo. Você descobre que um bebê foi abandonado, coberto somente por um cobertor fino. Não há ninguém por perto, seu celular está sem bateria, e se você parar para prestar auxílio, certamente perderá a entrevista e sacrificará sua chance de ocupar o novo emprego.
O que fazer numa situação como essa? Segundo o autor, várias pesquisas indicam que a maioria agiria para salvar a criança. Porém, mantendo o foco no que nos interessa, para que o dilema funcione e nos cause algum desconforto moral na vida real precisamos concordar que os vários pressupostos ocorrem na realidade, isto é, “se você chegar atrasado à entrevista perderá o emprego”, “se passar por uma viela”, “se a bateria do celular estiver descarregada”, “se a temperatura estiver alta ou baixa”, “se não houver vivalma para ajudar”, “se não houver ajuda haverá a morte”; etc.
Como dito anteriormente, o que eu desejo destacar é a baixíssima probabilidade de todas as condições ocorrerem concomitantemente e não apenas isso, pois, uma coisa é as chances de tais condições ocorrerem ao mesmo tempo, criando o evento pretendido; outra coisa é as chances do evento em si mesmo (já constituído) ocorrer e se repetir na realidade para uma quantidade significativa de pessoas de modo a representar algo desconfortável,  e passe a ser uma referência de comportamento a ser seguido ou evitado.
Em outras palavras, os dilemas morais são situações-limite extraordinárias com baixíssima probabilidade de ocorrerem na vida real e, desse modo, com pouco poder de generalização pelo simples fato de que ninguém vive em vielas ou laboratórios.
Nesse ponto creio que seja necessário afirmar que nas reflexões sobre tais dilemas talvez haja algum valor heurístico digno de nota, sobretudo no ambiente acadêmico. Talvez. O próprio Safatle os chama “passatempos acadêmicos” e eu, pessoalmente, num exercício de autocrítica, tenho muitas reservas às pesquisas nessa área.
Mas, então, o que importa na busca do que eu chamei referência ética? Uma perspectiva que me parece interessante é defendida por Tara Smith em seu livro sobre a ética de Ayn Rand. Smith dirá que a moralidade é desenhada para guiar as ações humanas no curso normal de eventos (the normal course of events) de nossas vidas e não para casos de emergências ou situações-limite que nunca ocorreram e provavelmente nunca ocorrerão para a maioria dos indivíduos ao longo de todas as suas vidas. O curso normal de eventos é onde vivemos, dirá Smith.
As situações-limite envolvendo questões morais, exatamente por não fazerem parte da nossa rotina, não possuem (ou talvez possuam muito pouco) orientação sobre como devemos agir eticamente no cotidiano. Um princípio de orientação, por definição, só é possível em circunstancias essencialmente previsíveis. Os dilemas morais propostos são o oposto disso. Numa palavra, um princípio de orientação moral que lida apenas com o extraordinário torna-se inócuo para o nosso dia a dia.
Dito isso a ideia de “referência ética” ficará melhor definida se pensada como o conjunto de valores constituído a partir de nossas relações interpessoais reais e ordinárias ao longo do tempo e com o qual nos identificamos e que nos orienta eticamente na manutenção daquelas relações e na busca de nossa noção particular de “bem”.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Histórias sem data

Em sua advertência à 1ª edição Machado de Assis diz que, dos contos reunidos, apenas dois não têm data; já os demais estão datados e o título "História sem data" isto pode parecer estranho ao leitor. "Suponho, porém, que o meu fim é definir estas páginas como tratando, em substância, de cousas que não são especialmente do dia, ou de um certo dia, penso que o título está explicado."

Dentre os 18 contos eu destaco:

- A igreja do diabo: ao narrar a decisão do diabo de fundar uma igreja Machado tem como pano de fundo as contradições da natureza humana.

- O lapso: a inventividade do autor é genial ao criar um personagem com lapso de memória para as ideias de 'pagar', 'credor', 'dívida', 'saldo', etc e assim seus credores acumulam-se.

- Último capítulo: pode ser resumida como uma divertida história de humor negro. O personagem Matias narra suas desventuras como um ser azarado, começando pela infância quando conseguiu a proeza de quebrar o nariz ao cair de costas de uma rede.
Aqui uma descrição da mulher de Matias e um retrato do casamento da época:

"Rufina (permitam-me esta figuração cromática) não tinha a alma negra de Lady Macbeth, nem a vermelha de Cleópatra, nem a azul de Julieta, nem a alva de Beatriz, mas cinzenta e apagada como a multidão dos seres humanos. Era boa por apatia, fiel sem virtude, amiga sem ternura nem eleição. Um anjo a levaria ao céu, um diabo ao inferno, sem esforço em ambos os casos, e sem que, no primeiro lhe coubesse a ela nenhuma glória, nem o menor desdouro no segundo.Era a passividade do sonâmbulo. Não tinha vaidades.O pai armou-me o casamento para ter um gênro doutor; ela, não; aceitou-me como aceitaria um sacristão, um magistrado, um general, um empregado público, um alferes e não por impaciência de casar, mas por obediência à família, e, até certo ponto, para fazer como as outras. Usavam-se maridos; ela queria usar também o seu. Nada mais antipático à minha própria natureza; mas estava casado."

- Galeria póstuma: com a morte de Joaquim Fidelis o sobrinho descobre seu diário. Ao ler as impressões que Joaquim tem de seus amigos, sempre ácidas, diretas e quase sempre verdadeiras, porém, indizíveis, o sobrinho decide não mostrar o diário a ninguém.
Sobre Diogo Brás: "Creio que é ambicioso; mas na idade em que está, sem carreira, a ambição vai-se-lhe convertendo em inveja."

- Uma senhora: mais uma descrição impecável de uma mulher; ver todo o parágrafo na pág. 110: "Cor de leite, fresca, inalterável, deixava às outras o trabalho de envelhecer. Só queria o de existir."

Amor materno X sentimento pessoal(p. 112): Sobre Dona Camila com ciúmes da filha, mais jovem e tão bonita quanto ela. Ao permitir seu casamento e o consequente nascimento do neto estaria permitindo uma situação em que ela (Camila) apareceria envelhecendo para os outros. Daí tentar protelar ao máximo a permissão para a filha casar. "D. Camila adorava a filha; saboreou-lhe a glória a tragos demorados. No fundo do copo achou a gota amarga e fez uma careta." p. 111.

Outro trecho magistralmente escrito: "Começou a levantar vagarosamente a muralha do silêncio" para afastar mais um pretendente da filha. Ver todo o trecho na pág. 113.

- Fulano: sobre a vaidade e a necessidade de ser visto e admirado.
"Pode ser que me engane; mas estou que o espetáculo da justiça, a prova material de que as boas qualidades e as boas ações não morrem no escuro, foi o que animou o meu amigo a dispersar-se, a aparecer, a divulgar-se a dar à coletividade humana um pouco das virtudes com que nasceu. Considerou que milhares de pessoas estariam lendo o artigo, à mesma hora em que o lia também; imaginou que o comentavam, que interrogavam, que confirmavam, ouviu mesmo, por um fenômeno de alucinação que a ciência há de explicar, e que não é raro, ouviu distintamente algumas vozes do público. Ouviu que lhe chamavam homem de bem, cavalheiro distinto, amigo dos amigos, laborioso, honesto, todos os qualificativos que ele vira empregados em outros, e que na vida de bicho-de-mato em que ia, nunca presumiu que lhe fossem - tipograficamente - aplicados."

"Tinha obrigações morais com a sociedade; ninguém se pertence exclusivamente." p. 134

"Não tinha ideias políticas; quando muito, dispunha de um desses temperamentos que substituem as ideias, e fazem crer que um homem pensa, quando simplesmente transpira." p. 135

- A segunda vida:
: - "Considerei, no momento de despir o colete, que o amor podia acabar depressa; tem-se visto algumas vezes. Ao descalçar as botas, lembrou-me cousa pior: - podia ficar o fastio." p. 146

Sobre "aversão ao risco": "Não podia comer um figo às dentadas, como outrora; o receio do bicho diminuía-lhe o sabor." p. 147