sábado, 27 de fevereiro de 2016

Balas de estilo & crítica

Como eu disse anteriormente, decidi ler as obras completas de Machado de Assis a partir da ordem cronológica em que foram publicadas. Seus primeiros escritos são crônicas, correspondências, críticas e contos. A Editora Globo nem sempre reuniu esses escritos segundo a cronologia, mas eu tentei organizar os volumes de acordo com esse critério.
No volume Balas de Estilo & Crítica algo me chamou a atenção em sua crítica O jornal e o livro. Machado saúda euforicamente a chegada do jornal como meio rápido e de fácil acesso às notícias. Segundo ele o jornal é a “tribuna comum, aberta à família universal”; “O jornal é a verdadeira forma da república do pensamento.”
O livro não possui o movimento nem a reprodução diária dos fatos que o jornal propicia. O jornal é literatura quotidiana, “Uma forma de literatura que se apresenta aos talentos como uma tribuna universal é o nivelamento das classes sociais, é a democracia prática da inteligência.”
Essa euforia quanto ao acesso democrático às informações me fez estabelecer um paralelo com o discurso eufórico da chegada da internet  como meio de nivelar e democratizar o conhecimento. O documentário Tudo Vigiado por Máquinas de Adorável Graça  (2011) de Adam Curtis, em sua primeira parte, descreve o ambiente político-cultural dos anos 60 que mesclou a crença no nivelamento do conhecimento com a internet e a construção de sociedades sem líderes. E descreve também como esse nivelamento falhou, ou melhor, como as pessoas não sabem o que fazer com o volume de informações que recebem, não sabendo distinguir a informação de qualidade.
Muitos pensadores contemporâneos têm discutido essa questão do excesso de informação e os malefícios que tal fenômeno pode acarretar. Lembrei-me, por exemplo, de Heidegger em seu Serenidade (1959) que, muito antes da existência da internet, alertava para o volume de conhecimento advindo com a técnica moderna. Heidegger  contrapõe o pensamento que calcula, associado à dominação da técnica, ao pensamento meditativo que reflete sobre a técnica. O pensamento meditativo não se deixa levar pela velocidade e volume de informações trazidas pela técnica levando ao esquecimento do que foi apreendido.
Nesse sentido também as reflexões de Umberto Eco atestam o caráter visionário das palavras de Heidegger: “A imensa quantidade de coisas que circula é pior que a falta de informação. O excesso de informação provoca a amnésia. Informação demais faz mal. Quando não lembramos o que aprendemos, ficamos parecidos com animais. Conhecer é cortar, é selecionar. (...) A internet é perigosa para o ignorante porque não filtra nada para ele. Ela só é boa para quem já conhece – e sabe onde está o conhecimento. A longo prazo, o resultado pedagógico será dramático. Veremos multidões de ignorantes usando a internet para as mais variadas bobagens: jogos, bate-papos e busca de notícias irrelevantes.”
É óbvio que o contexto histórico de Machado de Assis não permitia a análise crítica ao aparato tecnológico que se desenvolveu no século XX. Todavia, o mesmo Machado eufórico com a chegada do jornal não era indiferente ao que poderíamos chamar ansiedade das pessoas em comunicar suas ideias, algo bastante típico dos tempos das redes sociais digitais. Com seu permanente estilo sarcástico, eis como ele em Balas de Estilo aborda a questão:
“Não tardou que o correio começasse a entregar-me as respostas; e, como eu não pagava o porte, reconheci que há neste mundo uma infinidade de filhos de Deus, ou do diabo que os carregue, que estão à espreita de um simples pretexto para comunicar as suas ideias, ainda à custa dos vinténs magros.”

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