Como eu disse
anteriormente, decidi ler as obras completas de Machado de Assis a partir da
ordem cronológica em que foram publicadas. Seus primeiros escritos são
crônicas, correspondências, críticas e contos. A Editora Globo nem sempre
reuniu esses escritos segundo a cronologia, mas eu tentei organizar os volumes
de acordo com esse critério.
No volume Balas de Estilo & Crítica algo me
chamou a atenção em sua crítica O jornal
e o livro. Machado saúda euforicamente a chegada do jornal como meio rápido
e de fácil acesso às notícias. Segundo ele o jornal é a “tribuna comum, aberta
à família universal”; “O jornal é a verdadeira forma da república do
pensamento.”
O livro não possui o
movimento nem a reprodução diária dos fatos que o jornal propicia. O jornal é
literatura quotidiana, “Uma forma de literatura que se apresenta aos talentos
como uma tribuna universal é o nivelamento das classes sociais, é a democracia
prática da inteligência.”
Essa euforia quanto ao
acesso democrático às informações me fez estabelecer um paralelo com o discurso
eufórico da chegada da internet como
meio de nivelar e democratizar o conhecimento. O documentário Tudo Vigiado por
Máquinas de Adorável Graça (2011) de Adam
Curtis, em sua primeira parte, descreve o ambiente
político-cultural dos anos 60 que mesclou a crença no nivelamento do
conhecimento com a internet e a construção de sociedades sem líderes. E descreve
também como esse nivelamento falhou, ou melhor, como as pessoas não sabem o que
fazer com o volume de informações que recebem, não sabendo distinguir a
informação de qualidade.
Muitos pensadores
contemporâneos têm discutido essa questão do excesso de informação e os
malefícios que tal fenômeno pode acarretar. Lembrei-me, por exemplo, de Heidegger
em seu Serenidade (1959) que, muito
antes da existência da internet, alertava para o volume de conhecimento advindo
com a técnica moderna. Heidegger
contrapõe o pensamento que calcula,
associado à dominação da técnica, ao pensamento
meditativo que reflete sobre a técnica. O pensamento meditativo não se
deixa levar pela velocidade e volume de informações trazidas pela técnica
levando ao esquecimento do que foi apreendido.
Nesse sentido também as
reflexões de Umberto
Eco
atestam o caráter visionário das
palavras de Heidegger: “A imensa quantidade de coisas que circula é pior que a
falta de informação. O excesso de informação provoca a amnésia. Informação
demais faz mal. Quando não lembramos o que aprendemos, ficamos parecidos com
animais. Conhecer é cortar, é selecionar. (...) A internet é perigosa para o
ignorante porque não filtra nada para ele. Ela só é boa para quem já conhece –
e sabe onde está o conhecimento. A longo prazo, o resultado pedagógico será
dramático. Veremos multidões de ignorantes usando a internet para as mais
variadas bobagens: jogos, bate-papos e busca de notícias irrelevantes.”
É óbvio que o contexto
histórico de Machado de Assis não permitia a análise crítica ao aparato
tecnológico que se desenvolveu no século XX. Todavia, o mesmo Machado eufórico com
a chegada do jornal não era indiferente ao que poderíamos chamar ansiedade das pessoas em comunicar suas
ideias, algo bastante típico dos tempos das redes sociais digitais. Com seu
permanente estilo sarcástico, eis como ele em Balas de Estilo aborda a questão:
“Não tardou que o
correio começasse a entregar-me as respostas; e, como eu não pagava o porte,
reconheci que há neste mundo uma infinidade de filhos de Deus, ou do diabo que
os carregue, que estão à espreita de um simples pretexto para comunicar as suas
ideias, ainda à custa dos vinténs magros.”
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