O fenômeno da profusão
de ideias e a ansiedade das pessoas em comunicá-las podem ser exemplificados
com a personagem Srª de Ris na peça As
mulheres terríveis analisada pelo
escritor:
“Curiosa e indiscreta,
pergunta para saber, e fala para dar pasto a uma irresistível vocação da
tribuna. Não lhe escapa o menor movimento, o fato mais insignificante; quer
saber tudo; tudo indaga, tudo perscruta, de tudo se informa. Depois, como se
tanto conhecimento a afrontasse, não espera o trabalho digestivo da reflexão,
deita o que sabe à primeira atenção em disponibilidade, ou sem ela.” (p. 26)
Este “pobre almanaque
arrependido” não seria o internauta médio de nosso mundo digital?
Uma
polêmica de nosso tempo
Gostaria de destacar um
comentário sobre o personagem Lourenço da peça Escravo fiel (1859). Lourenço é um escravo fiel e que pratica boas
ações ao longo da trama. Ao final de sua crítica Machado de Assis faz o
seguinte comentário:
“Há uma frase lindíssima,
entretanto, desse mesmo negro:
- Eu sou negro mas as
minhas intenções eram brancas!” (p.76)
Para o escritor do
século XIX esta é uma “frase lindíssima” que merece ser destacada pelo caráter
de normalidade de seu tempo. Ao ler este comentário lembrei-me imediatamente da
proposta de censura a algumas obras de Monteiro Lobato, destinadas às escolas, por
nelas haver algumas frases de conteúdo racista. Do meu ponto de vista, antes de
defender a censura, é preciso entender e ensinar o contexto histórico e as
ideias dominantes na época desses autores. As crianças e alunos que se
depararem com esse preconceito, precisam valer-se desse conhecimento para
perceberem que somos frutos de uma época. Isso é aprendizado!
E se os alunos
descobrirem que mesmo nessa época havia condições objetivas de crítica ao
racismo, pior para os Machados e os Lobatos. No caso de efetivamente existirem
essas “condições objetivas de crítica ao racismo” (pouco provável no caso de
Machado de Assis), as crianças terão uma dupla e valiosa tarefa: primeiro, perceber
que mesmo os escritores geniais não deveriam ser tomados como referência ética
em certos aspectos da dignidade humana; segundo, que suas obras não podem ser
reduzidas a frases ou comentários que hoje consideramos preconceituoso. Isso
também é aprendizado. Mas censurar, jamais.
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